O senador Demóstenes Torres apresenta sua defesa ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado. Demóstenes é suspeito de envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira.

O senador Demóstenes Torres (ex-Democratas e agora sem partido-GO), acusado de quebra de decoro por envolvimento com o esquema criminoso montado pelo empresário e contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, finalmente vai a reunião do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para apresentar sua defesa. O senador goiano foi ao plenário do Conselho de Ética nesta terça-feira (29) e chegou com 40 minutos de atraso.

O parlamentar compareceu ao conselho para se defender das acusações de participar de um suposto esquema de corrupção e de jogos de azar comandado por Carlinhos Cachoeira, que está preso desde o dia 29 de fevereiro. O parlamentar é suspeito de ter usado seu mandato para beneficiar o suposto esquema comandado pelo empresário e contraventor que é acusado de comandar jogos ilegais e de liderar uma rede de influência envolvendo agentes públicos e privados. Por causa das investigações conduzidas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal (operações Vegas e Monte Carlo), Demóstenes responde a processo que pode resultar na cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar.

Como era de se esperar, em seu depoimento o senador Demóstenes Torres negou envolvimento com jogos ilegais e disse que não sabia das relações do empresário Carlinhos Cachoeira.

Demóstenes disse que só depois da prisão do empresário e com a deflagração da Operação Monte Carlo é que teve consciência das relações que Cachoeira mantinha com outros políticos, governadores e demais agentes públicos.

“Eu não tinha uma lanterna da popa, não tinha como saber no que eu me relacionava com esse empresário e que ele mantinha relações com cinco governadores”, disse Demóstenes. “Hoje, com essa lanterna na popa, eu dou conta de ver, mas antes, com essa lanterna na proa, eu não via”, disse o senador.

Em sua defesa, Demóstenes usou um tom emocional para convencer os senadores de sua inocência no processo aberto contra ele para apurar quebra de decoro parlamentar. “Eu redescobri Deus. Parece um fato pequeno, mas minha atuação era mais pautada pelos homens que pela fé”, disse o senador, ao se referir à sua postura antes da investigação vir a tona.

Demóstenes sempre manteve uma postura crítica a atos de corrupção e era um dos senadores que mais evocavam as questões éticas contra os demais colegas, principalmente contra os senadores governistas. “Eu pude ver o quanto fui cruel com os outros. Isso fazia com que essas pessoas pudessem ficar com uma imagem ruim”, disse.

“Devo dizer aos senhores que vivo o pior momento da minha vida, que eu jamais imaginaria passar por isso. A partir de 29 de fevereiro desse ano [quando a Operação Monte Carlo foi deflagrada pela Polícia Federal], eu passei a enfrentar algo que nunca tinha passado em toda minha vida. Depressão, remédio para dormir que não funcionam, fuga dos amigos.  É  talvez a campanha sistemática mais orquestrada da história do Brasil”, disse o senador.

Ao evocar sua família, Demóstenes disse que ainda precisa dar explicações para esclarecer suas ações. “Tive que enfrentar não só a desconfiança de todos, tive que enfrentar tudo”, disse.

O senador ainda negou que se patrimônio teria quadruplicado nos últimos anos. Segundo ele. Ele relatou a compra de um apartamento no valor de R$ 1,2 milhão, cuja entrada de R$ 400 mil teria sido dada por sua mulher. A outra parte, R$ 800 mil, seria financiada. “Eu só vou terminar de pagar quando tiver 80 anos”, defendeu-se.

O senador confirmou que recebeu um aparelho de celular via rádio do empresário Carlinhos Cachoeira, mas alegou que não tinha informação que esse celular era sigiloso. “Recebi para meu conforto. Era um celular que falava nos Estados Unidos, não era com exclusividade, eu falava com muitas outras pessoas, nunca tive essa informação de que era sigiloso. Se era sigiloso, como é que foi grampeado? Aliás, a maneira mais fácil de se grampear é através de rádio”, questionou.

Senador ataca e diz que é vítima de ação orquestrada para desmoralizá-lo

Durantes sua defesa o senador Demóstenes disse que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, incorreu no crime de improbidade administrativa ao não ter tomado providências em relação ao inquérito da Operação Vegas, da Polícia Federal (PF).

Na opinião de Demóstenes, Gurgel teria três opções ao receber o inquérito. “Ele tinha que oferecer denúncia, arquivar ou pedir mais diligência. Ele não fez nada disso”, disse o senador.

“As atribuições do procurador são obrigatórias. Ele e nenhum membro do Ministério Público podem dizer: ‘não vou atuar aqui ou vou atuar aqui’”, observou Demóstenes que enfrenta processo de cassação no Conselho de Ética. “Se não tinha indício nenhum de crime, então ele teria que pedir arquivamento”, reforçou o senador.

O inquérito foi entregue pela PF ao Ministério Público, em 2009. Ao ser acusado de não ter tomado providências com relação à investigação, por pelo menos dois anos, Gurgel argumentou que decidiu aguardar a conclusão da Operação Monte Carlo, realizada pela PF depois da Operação Vegas.

A argumentação do procurador, na opinião de Demóstenes, não faz sentido. “Ele deveria, então, controlar isso [as investigações] até determinado ponto”, disse. “Mais dia, menos dia, o procurador-geral vai ter que explicar o que aconteceu. A atitude dele é totalmente desarrazoada e não tem amparo jurídico.”

Segundo Demóstenes, ele está sendo vítima de uma ação orquestrada para desmoralizá-lo e acusou o Ministério Público e a PF de fazer parte disso. “Há um conluio entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para fazer uma investigação ilegal.”

Sobre como e quando conheceu Cachoeira

Em seu depoimento ao conselho, que durou cinco horas e meia, o senador informou ainda que conheceu Cachoeira quando exercia o cargo de secretário de Segurança Pública de Goiás, entre os anos de 1999 e 2002, durante o primeiro governo de Marconi Perillo (PSDB), atual governador do estado. Na época, Cachoeira tinha exclusividade na exploração do jogo em Goiás e pedia, segundo o próprio senador, para que o governo atuasse na repressão aos demais exploradores.

Apesar disso, Demóstenes sustentou que não sabia que Cachoeira mantinha atividades ilegais. “Se eu soubesse ontem o que sei hoje, não seria assim. Não sabia que ele operava clandestinamente e, ainda em conversa com o governador [Marconi Perillo], ele disse à gente que não operava clandestinamente”, relatou Demóstenes.

O relator do processo no Conselho de Ética, senador Humberto Costa (PT-PE), lembrou da atitude crítica de Demóstenes em 2004, ocasião em que foi divulgado vídeo no qual o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz aparece pedindo propina a Cachoeira. “Acredito que tanto quem pede quanto quem entrega é corrupto. O senhor foi tão duro na suas colocações e o fez muito bem em relação ao Waldomiro Diniz. Disse que ele era um bandido. Por que não a mesma atitude em relação a Cachoeira?”, perguntou Costa.

“Posso não ter nominado, mas não deixei de ter criticado a situação”, respondeu Demóstenes que informou ainda que recebeu um telefone celular via rádio de Carlinhos Cachoeira e disse que era o empresário quem pagava a conta do celular. “Cachoeira pagava as contas. Coisa de R$ 50 a R$ 30, imagino eu”, disse Demóstenes.

Utilizando um tom emocional, Demóstenes mostrou-se abalado e disse que ficou um mês sem comparecer ao Senado por falta de coragem de encarar os demais senadores. “Nunca sofri tanto na minha vida, sou um homem de vergonha na cara. Fiquei sem entrar no Senado um mês para não ter que olhar na cara dos meus colegas senadores”, destacou.

Agência Brasil