SBPC: realidade das comunidades quilombolas é debatida na 64ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
O cotidiano de comunidades marcadas por disputas e conflitos envolvendo seus territórios, histórias de resistência e superação de comunidade quilombolas permearam nesta segunda-feira (23) vários debates no segundo dia da 64ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Com o tema central Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza, Leonardo dos Anjos, líder do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), participou dos debates. Morador e líder da comunidade Brito, em Alcântara, que reúne 32 famílias, ele disse à Agência Brasil que deixa de pagar aluguel para manter o filho estudando em São Luís. “Perco minha casa, mas meu filho vai continuar estudando na cidade”.
De acordo com o líder do Mabe, a comunidade foi expulsa de suas terras e ainda sofre as mais graves violações de direitos básicos à manutenção de sua cultura e tradições. “O Ministério da Aeronáutica diz que a Base Espacial de Alcântara é a melhor do mundo, mas como é a melhor se nesses 28 anos só foram lançados foguetes de experiência? Um deles se incendiou, causando a morte de 21 pessoas, isso em números oficiais”, disse.
As comunidades quilombolas de Alcântara estão situadas na zona rural do município, a 22 quilômetros de São Luís. De acordo com a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, atualmente vivem em Alcântara cerca de 19 mil habitantes, na sua maioria descendentes de quilombolas e índios.
Os quilombolas de Alcântara foram vítimas de deslocamentos compulsórios promovidos pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), organização do Comando da Aeronáutica, na década de 1980. Em função do projeto, 312 famílias de 31 povoados tiveram de abandonar suas terras, estabelecendo-se em agrovilas entre 1986 e 1987.
De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo (Cpisp), até outubro de 2007, 20 comunidades quilombolas maranhenses haviam conquistado o título de propriedade de suas terras. Os títulos foram outorgados pelo governo do estado por meio do Instituto de Terras do Maranhão (Iterma).
Para o antropólogo Davi Pereira Júnior, a questão da propriedade da terra é um dos maiores problemas enfrentados pelas comunidades quilombolas. “As comunidades são negadas e têm suas terras desapropriadas, como se não existissem. É um desrespeito à própria Constituição Federal e as convenções internacionais que está ferindo. Há um racismo institucionalizado”, declarou.
De acordo com o presidente da Agência Espacial do Brasileira (AEB), José Raimundo Braga Coelho, o governo federal está articulado com governos municipal e estadual para investir em educação no município de Alcântara. Braga Coelho disse ainda que a área ocupada pela Base de Alcântara diminuiu para apenas 3 hectares dos 60 mil hectares estabelecidos anteriormente.
“Está prevista a criação de um porto em Alcântara, que deve virar um polo de atração turística na cidade, que permitirá acesso à cidade. Independentemente do estado de maré, vamos ter grandes operações no futuro. Foguetes que virão do exterior serão aportados em Alcântara. Poderemos nos transformar em um polo importantíssimo com potencial comercial muito grande. Espero que a comunidade quilombola possa se sentir honrada dessa iniciativa”.
Ainda dentro do debate das comunidades quilombolas, o secretário regional da SBPC, o médico patologista Luiz Alves, disse que a pesquisa científica no Maranhão ainda sofre com a colonização eurocêntrica, e que o tema da reunião deste ano é uma contraproposta que possibilita repensar a perspectiva do modo de fazer ciência no Brasil. “Muitas pesquisas acadêmicas têm como objeto populações indígenas ou quilombolas, mas abandonam essas comunidades após a titulação. É preciso que a academia indique atividades para melhoria dessas comunidades e levem o saber delas para dentro das discussões acadêmicas”.
Luiz Alves reforçou a ideia da presidenta da SBPC, Helena Nader, de combater a pobreza intelectual no país. “Queremos discutir também a pobreza de espírito, de intelecto. A pobreza de pensamento, inclusive, de reconhecer os saberes tradicionais como uma forma legítima de conhecimento. Saberes tradicionais são ciência”, ressaltou.
A questão quilombola entrou na agenda das políticas públicas com a Constituição Federal. Atualmente, o governo federal atende às comunidades por meio do Programa Brasil Quilombola, executado em parceria com os ministérios. O programa tem como principais objetivos a garantia do acesso à terra; ações de saúde e educação; construção de moradias, eletrificação; recuperação ambiental; incentivo ao desenvolvimento local; pleno atendimento das famílias quilombolas pelos programas sociais, como o Programa Bolsa Família; e medidas de preservação e promoção das manifestações culturais quilombolas.
Agência Brasil