O-Evangelho-segundo-a-Filosofia_Aurélio-Schommer“O Evangelho segundo a Filosofia”, de Aurélio Schommer é “incomodativo, como todo grande livro se propõe; como o próprio Cristianismo o é…”, a afirmação é feita pelo nosso crítico e analista literário, Silvério Duque. E é com a apresentação do mais recente livro desse escritor gaúcho radicado em Salvador, que Silvério volta a brindar os leitores do Blog Bahia Geral com suas análises e críticas.

Ele estava meio afastado e já havia passado certo tempo desde sua última contribuição para o BBG. Mas, no meio da tarde deste domingo, 4, fiquei surpreso e feliz ao receber uma mensagem de Silvério Duque com o seguinte pedido (parecia soar como ordem): “Jamil, segue um texto pra hoje…”. Tratava-se de “Uma breve conversa sobre O Evangelho Segundo a Filosofia de Aurélio Schommer” e que está devidamente publicado abaixo.

Silvério Duque é músico, poeta, escritor e crítico literário nascido, criado e educado em Feira de Santana. Tem escrito para os leitores do Blog Bahia Geral, sempre aos domingos, uma análise crítica de uma obra literária contemporânea.

Recentemente, Silvério Duque lançou “Cantares de Arrumação: panorama da novíssima poesia de Feira de Santana e Região”, livro organizado por ele e que saiu pela Editora Mondrongo. Sua última contribuição para o BBG foi o texto “Do mito à realidade: Uma extensão de nosso mundo ou vamos falar sobre Start Wars”.

A seguir, confiram a apresentação e análise crítica de Silvério Duque sobre o mais recente livro do historiador e escritor Aurélio Schommer, intitulado “O Evangelho segundo a Filosofia”.

 

UMA BREVE CONVERSA SOBRE

O EVANGELHO SEGUNDO A FILOSOFIA

DE AURÉLIO SCHOMMER

Naquela ocasião, Jesus disse:

“Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra,

porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos,

e as revelaste aos pequeninos”.
MATEUS 11;25.

 

 

 

Há alguns anos, numa de muitas conversas furtivas que tivemos, o amigo e historiador Aurélio Schommer me faz a seguinte pergunta: “Sem Jesus e o Cristianismo, o Ocidente como o conhecemos existiria”? A resposta não tardaria a vir, e foi: “Não”!

Mas não é à toa que tenho fama de falastrão, às vezes, então, continuei: “A Bíblia, e principalmente o Novo Testamento, são, juntamente com a filosofia helênica, os pilares fundamentais de nossa cultura; ali (no Novo Testamento), encontra-se nosso mito fundador, como primeiramente definiu Schelling. Um mito fundador nada mais é do que uma verdade inicial compactada que, no desenrolar da História, como bem explicou Olavo de Carvalho, vai desdobrando o seu sentido e florescendo sob a forma de ciência, de leis, de valores, de civilização; não é um “produto cultural”, pela simples razão de que ele, e só ele, é a semente de toda cultura possível, constituindo-se, em geral, da narrativa simbólica de fatos tão essenciais e significativos que acabam por transferir parte do seu padrão de significado para tudo o que venha a acontecer em seguida numa determinada área civilizacional. Portanto, imaginar o Ocidente, como o conhecemos, sem o Cristianismo é impossível”. O argumento contrafactual acabou por aí, não lhe perguntei, pelo que me lembro, o porquê do questionamento, e a conversa tomou outro rumo. E eis que agora, Aurélio Schommer nos apresenta seu mais novo e monumental trabalho: O Evangelho segundo a Filosofia: do filósofo Jesus às ideias sobre Jesus (Record, 2015). Que procura justamente analisar o papel das palavras de Jesus na formação do Ocidente, e dos filósofos que delas se embeberam, ao longo destes últimos 20 séculos.

O mais interessante neste livro, primeiramente, está na maneira clara e sucinta que Schommer dá a um assunto tão complexo. Não é uma obra volumosa, ou, no mínimo, um catatau de dez centenas de páginas, contudo, não vejam nisso um problema. O livro é dinâmico, objetivo e dividido por capítulos onde os temas mais importantes do Cristianismo se apresentam diante de nossos olhos, ao lado de alguns de seus maiores defensores (e suas respectivas filosofias), muito mais como uma conversa informal do que um texto que se quer tão denso quanto o conteúdo que ele trabalha, e nisso está uma das grandes virtudes da escrita de Aurélio Schommer, que é dá, a um texto histórico, a vivacidade e a leveza típicas de um texto literário. Assim, vamo-nos afeiçoando a tais temas, e suas complexidades, como “O Logos Divino”, “O Verbo que se fez carne”, “O livre-arbítrio”, à medida que também conhecemos a vida de Santos e filósofos que compreenderam também as mensagens do Evangelho, que dificilmente conseguimos dissociar suas vidas de seus pensamentos e tamanha dedicação, a não ser, por chamado divino.

Capa do livro “O Evangelho segundo a Filosofia”, de Aurélio Schommer. (Divulgação)
Capa do livro “O Evangelho segundo a Filosofia”, de Aurélio Schommer. (Divulgação)

Tudo isso porque o Evangelho é o texto mais prestigiado que o mundo já viu (por mais que tal afirmação incomode um monte de gente, e eu até me regozijo com tal incômodo, Deus me perdoe) e Jesus, como bem definiu Gabriel Liiceanu, o “homem mais sedutor da história”, porque seduzir é levar a um lugar, é conduzir a uma mudança de atitude ou mesmo de estado, e não está aí a essência mesma da metanoia cristã: o arrependimento ou o processo de conversão, tanto intelectual como moral e espiritual; a mudança contínua que começa a acontecer no momento em que o homem aceita a fé que lhe foi pregada? Então o motivo desta metanoia (μετανοεῖν), dessa mudança mental, não é aprender a pensar segundo diz a sua fé, pensar em uniformidade com os demais que já aderiram à fé há mais tempo? O homem, que passou por tal processo, não foi levado, não foi conduzido a isso, senão por uma palavra que continha mais do que uma busca pela verdade, mas a Verdade (ἀλήθεια) em seu total desvelamento, como se diz no Evangelho? E o que é o Evangelho? A “Boa Nova” de Deus? A Revelação divina através das palavras do Verbo encarnado? Um guia moral para cristão e até não cristãos? Um livro de autoajuda?… Filosoficamente, o Evangelho pode ser tudo isso, mas principalmente, são as palavras do homem mais influente que a história já testemunhou. A aceitação e cumprimento de suas palavras, segundo Voltaire, tornaria inútil toda filosofia, pois seu propósito se cumpriria nessa prática (πράξις), mas como o próprio Aurélio Schommer nos mostra em seu O Evangelho segundo a Filosofia, Pascal o seguiu, mas preferiu segui-lo filosofando e assim, Schommer vai cumprindo a sua missão de nos mostrar, de forma ágil e aprofundada, mesmo partindo de tantos questionamentos, como o Evangelho fundou o mundo como o conhecemos, e deu à história e à filosofia, um novo campo de atuação e interpretação, mas, ao mesmo tempo, como a história e a filosofia moldaram a percepção que temos das palavras de Cristo.

 

E o que Schommer faz ao longo das 300 páginas de seu livro não é menos que explorar as mais diversas interações entre história, filosofia e o próprio Cristianismo, e dessa interação chega-se à investigação mesma de como se formou a especificidade do Ocidente. Para Schommer, o Ocidente é a única civilização capaz de estabelecer sociedades com as marcas do livre-arbítrio, do respeito às vontades lícitas do outro em seu próximo, da liberdade de expressão; segundo ele “Sociedades ricas, diversas, abertas, que experimentam prosperidade e avanços científicos sem paralelo na história universal”. O Ocidente, ao contrário de todas as demais sociedades no tempo e no espaço e do Marxismo, por exemplo, também se caracteriza por ser a civilização do indivíduo, de homens e mulheres que escolhem seus destinos e ao escolher, ora se satisfazem, ora se frustram em suas relações com a morte, com o amor, com seus medos e vontades eleitas. É o que Aurélio Schommer vai tratar em seu livro, sempre se remetendo à história, à evolução dos conceitos de honra, à filosofia, desde Heráclito até nossos contemporâneos, e, obviamente, ao Cristianismo, ao Evangelho, cujas palavras, em meu ver, não são apenas analisadas, mas reafirmadas tanto como filosofia bem como Revelação.

 

Mas não quero ficar aqui jogando Spoilers para aqueles que não leram o livro, resumindo, comentando ou debatendo diretamente tudo que Aurélio Schommer trabalha em seu O Evangelho segundo a Filosofia: do filósofo Jesus às ideias sobre Jesus, primeiro porque isso seria, no mínimo deselegante, e, depois, porque gostaria de me ater a uma parte do livro que, pelo que sei ou imagino, muitos críticos maiores e melhores relacionados do que eu não se dedicarão tanto, que é a vida, no mínimo, ingrata, daqueles que não tiveram outro propósito em suas existências a não ser dedicar-se integralmente a Deus ou seu mister enquanto pensadores, e cuja pretensão não era menos que tornar esse mundo um pouco melhor. Duas me chamaram a atenção em particular, a do pensador alemão Gottfried Leibniz, e a humilde camponesa Marie-Bernard Soubirou.

 

À vida do primeiro, Aurélio Schommer nos chama a atenção para o fato de o pequeno Gottfried ter perdido o pai aos 6 anos, de ter aprendido latim sozinho, com o objetivo de melhor aproveitar a biblioteca que o pai lhe deixara de herança e daí tornar-se notável em filosofia, mecânica aplicada, matemática, geologia, filologia, direito, historiografia e literatura. O custo disso tudo foi dormir pouco, não casar, não deixar filhos, comer na mesa de trabalho para não perder tempo com os afazeres rotineiros que só ao homem comum interessavam, e Gottfried Leibniz sabia que não era um homem comum. E por saber não ser um homem comum, o filósofo alemão não se contentou com menos que se aproximar do Deus que tanto amava e tentando se aproximar o máximo de seu Grande Arquiteto, projetou nada menos que um modelo de universo. O uso de “função” como um termo matemático foi iniciado por Leibniz, numa carta de 1694, para designar uma quantidade relacionada a uma curva, tal como a sua inclinação em um ponto específico. É creditado a Leibniz e a Newton o desenvolvimento do cálculo moderno, em particular o desenvolvimento da integral e da regra do produto. Descreveu o primeiro sistema de numeração binário moderno, já em 1705, tal como o sistema numérico binário utilizado nos dias de hoje. Acreditando que vivíamos no melhor dos mundos possíveis, foi ridicularizado e desacreditado por muitos e o maior gênio de sua época, por mais que tenha dedicado a sua vida a um sistema filosófico que compreendesse e unificasse completamente tudo, morreu esquecido e solitário, com apenas seu secretário como testemunha de seu enterro de toda injustiça a ele aplicado: um pequeno Deus triste e solitário que não conheceu a glória. Aurélio Schommer transcreve esse testemunho na página 28 de seu livro:

 

“Ele foi enterrado mais como um ladrão do que o que ele realmente era: o ornamento de seu país”.

 

Já à vida da segunda, Schommer nos chama atenção para um pouco antes de seu nascimento. Ele nos conta sobre o enlace amoroso entre François Soubirous e Louise Casterot, unidos por um amor que superaria, entre outras coisas, a mais autêntica miséria financeira. Ambos foram morar em um antigo moinho de trigo, onde François trabalhava. Tiveram 9 filhos. A mais velha, e uma das quatro crianças que sobreviveriam para ter uma vida, Marie-Bernard Soubirous (ou Maria Bernada Sobeirons, em provençal, língua de seus pais), nasceu como jamais viveria ao longo de sua curta existência: saudável. No entanto, uma sucessão de tragédias se abateria sobre aquela família paupérrima como a mais intensa e inesperada das tempestades. Seu pai perdera um olho, num acidente de trabalho, quando Bernarda contava apenas uma década de vida. Como se não bastasse, fora acusado de ladrão e passou um tempo na cadeia. A alcunha de “filha do ladrão” agarrou-se a ela como uma das muitas doenças que acumularia em vida. O moinho fechou e a família foi morar, primeiramente, na rua, e depois numa antiga cadeia pública, desativada por causa da insalubridade. A família passava fome e a pequena Marie-Bernard Soubirous teve cólera, asma e outras tantas enfermidades. Sobreviveu. Seu maior desejo, no entanto, era fazer sua primeira comunhão, mas ainda era analfabeta e não dominava ainda o francês. Aos 13 anos, trabalhou como doméstica em troca de comida. Mas abandonou o emprego por sentir falta da Eucaristia. Aos 11 anos, enquanto buscava lenha com alguns amigos, perto da gruta de Massabielle, teve a primeira de suas visões da hoje conhecida Nossa Senhora de Lourdes. A promessa da santa não poderia ser mais conveniente àqueles que foram escolhidos pela divindade: “não te prometo fazer feliz nesta vida, mas sim na outra”. Lourdes, hoje, é a cidade que mais recebe visitantes em toda a França depois de Paris, tudo graças às visões da “filha do ladrão”. Aparições se sucederam junto a muita descrença, milagres viriam acompanhados até de “exames de intimidade”; tudo para atestar a veracidade da Aparição Mariana. Quanto mais o poder Divino se mostrava, mais Santa Bernadette Soubirous, como seria conhecida mais tarde, sucumbia a todo tipo de sofrimento. E o que ficou de tudo isso, no sentido mais humano possível? Aurélio Schommer escreve na página 112:

 

“Santa Bernadette Soubirous morreu em 16 de abril de 1879, aos 35 anos, após muito tempo de sofrimento por conta de uma tuberculose óssea, doença que causa atrofia muscular, imobilidade e dores muito intensas. Dizia que a melhor fase de sua vida foi a primeira infância, até os 10 anos, quando viveu no velho moinho, pois pôde constatar o amor entre os pais, o mais belo e admirável sentimento que conheceu. Foi, sem dúvida, sua maior Fortuna, o melhor que a Providência lhe deu em vida”.

 

 

E os exemplos de vida sofrida e sacrificada de muitos desses pensadores, no livro de Schommer, não param por aí: Blaise Pascal, Luiz de Molina, Hanna More, Kant, e até mesmo Freud e Heráclito – esse, literalmente, morreu na merda –, que nascera quase meio milênio antes de Cristo, mas suas ideias, ao lado das de Platão e Aristóteles, serão fundamentais para o perfeito casamento entre Cristianismo e helenismo que não demorará (em termos e tempos históricos) a se concretizar.

 

A pergunta que fica, principalmente aos não crédulos, é: por que e em troca de quê tudo isso, toda essa dor, toda essa dedicação que não culminam em nada além de desmerecimento (talvez pior do que a morte para um Leibniz), dor, desconfiança e descrença (as duas últimas atingiram em muito o frágil coração de Santa Bernard Soubirou)? Mas aos crentes (sejam de religiões ou mesmo de ideais), essas coisas não soam nem um pouco estranhas, pois estes entendem bem o significado e o valor do verdadeiro “sacrifício”, desta troca em nome de algo maior do que nós, da luta que muitos de nós travamos contra a falta de sentido das coisas, como queria um Vitor Frankl.  A verdade é que existem coisas que devem ser feitas, que se espera que sejam feitas, mas poucos de fato as fazem, ou se quer se propõem a tal. Para isso, faz-se a necessidade de uma “sã loucura”, de uma alma em transbordamento, de que já tive outras oportunidades de falar, e que acomete principalmente a santos, educadores (filósofos) e artistas.

 

O próprio Aurélio Schommer tem sofrido, pelo que me parece, por causa de sua escolha em se “sacrificar”, escrevendo um livro sobre um assunto caro à humanidade, entretanto dessabido por muitos de nossos “intelectuais”, que veem se negando – boa parte pelo menos – a discutir as propostas lançadas em seu O Evangelho segundo a Filosofia. O que não me traz nenhum estranhamento, pelo contrário, me faz lembrar até as palavras de Cristo, no Evangelho segundo Mateus, Capítulo 13, versículos de 54 a 58. Não se pode querer filosofar sem abordar os assuntos mais importantes da humanidade como a conhecemos, e a religião é um deles. A negação de nossos professores universitários em discutir Deus e tudo que ele representa, só serve de demonstração à imensa incapacidade de nossos “educadores” em se encarregar daquilo que nem mesmo eles acreditam que foram chamados a cumprir. Sem falar de Deus, mais da metade de toda a história da filosofia se faz descartável (nada de Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Montaigne, Kierkegaard, Jasper, Ortega y Gasset, Nicolae Steinhardt, Eric Voegelin, Gabriel Liicianu, René Girard e até mesmo Nietzsche), sobrando-nos apenas aberrações ideológicas como Comte, Marx e Foucault, por exemplo. Mas nada disso é de se estranhar em nossas Universidades, todos os nomes que citei, entre outros, eu só os conheci graças à minha “sã loucura”, pois se dependesse de meus professores e do sistema que foi criado em nossas instituições de ensino superior, eu estaria a pastar pelos campos da UEFS até hoje, como muitos de meus colegas de turma ainda o fazem, e com diploma de mestrado a edulcorar tudo isso. Nossas Universidades, como já disse muitas vezes, são incubadoras de marxistas, e não é à toa que produzam tantos idiotas por metro quadrado, não é por acaso que Eric Voegelin, em seu História das Idéias Políticas – com a ajuda da tradução de meu amigo Elpídio Fonseca –, avisa-nos sobre este apocalipse humano, ao afirmar que, “na raiz da ideia marxista, encontramos a doença espiritual, a revolta gnóstica”. Nosso Brasil padece, faz tempo, na UTI intelectiva.

 

Mas, uma verdadeira nobreza intelectual e moral, não se fazem da noite para o dia, muito menos à toa; e, como já tive oportunidade de dizer (Immanuel Kant que me perdoe), não há, em sua totalidade, uma nobreza moral sem Deus. Como a história de Crime e Castigo nos mostra, toda noção de nobreza se esfacela sem a noção da imortalidade; a moral, em um mundo niilista, é um elefante branco. E, mesmo que alguém seja criado em um ambiente desprovido de fé, ainda assim, ela permeia o mundo, faz-se incrustada em nossa cultura; para falar bem a verdade: crianças boas, por exemplo, não as são por acaso. E se, ainda assim, a crença no Eterno, por alguma razão, não garanta, realmente, a integridade moral de ninguém, o que fazer sem essa crença…? Basta qualquer um dar uma olhada em nosso mundo e ver os caminhos pelos quais ele está trilhando agora. Num mundo cada vez mais desvalorizador das coisas para além dele, em nome de um falso racionalismo, ou, pior ainda, mergulhado na mentira do relativismo, seria muita ousadia de minha parte defender tais ideias, no entanto, não pensar assim, acredito, é-me um retrocesso e, se tudo é permitido, como pensam e querem muitos, que diferença há entre nós e os macacos que disputam galhos de árvores na floresta? Se não podemos ser mais que chimpanzés, golfinhos ou qualquer outro bicho nós estamos tanto contra Deus, bem como contra Darwin. E é aqui, inclusive, que me recordo de Sto. Agostinho, que diz que o mal pode não existir como coisa, todavia, é o resultado daquilo que fica quando o bem não floresce. O próprio conceito de pecado é isso: quando aquilo que se esperou de alguém ou de algo não se completa. É triste pensar (e pior ainda ter a certeza) que o mundo, por negar-se ao mistério, está em pecado: é apenas a sombra daquilo que um dia se quis belo.

 

As religiões sempre se puseram como o caminho dos homens rumo a Deus, mas não o Cristianismo; e nisso reside toda a sua sofisticação e superioridade ante todos os outros cultos: o Cristianismo, como defendera Hans Urs von Balthasar, é “Deus pondo-se a caminho dos homens”. Só no Cristianismo é que o homem tem a possibilidade de se tornar “coparticipante da Criação de Deus”. A grandiosidade máxima de Deus está aí, fazer-se pequeno ao ponto de chegar ao nosso nível, de querer nossa colaboração nos rumos e destinos do Universo; é esse “o maior dos Milagres”, como dissera Nicolae Steinhardt, em seu O Diário da Felicidade.  E como se pode ver, O Evangelho segundo a Filosofia: do filósofo Jesus às ideias sobre Jesus, de Aurélio Schommer pode nos dar, nas pouco mais de suas 300 páginas (ninguém se engane com o tamainho do livro, como já disse, para assunto tão amplo), um vasto cabedal de assuntos e interpretações, porém, sem nos perdemos da força e da essência de seu assunto principal: a mensagem de Jesus, o homem, o filósofo, o Verbo Divino, que, não por acaso, dividiu a História para antes e depois dele. Aurélio Schommer faz tudo isso com muita eficácia e elegância de escrita – só um homem elegante pode escrever sobre tudo isso e ainda chamar Marx de filósofo, pois tal afirmação só se dá no campo do cavalheirismo –, legando-nos um dos melhores livros escritos atualmente. O Evangelho segundo a Filosofia, de Aurélio Schommer é um livro incomodativo, como todo grande livro se propõe; como o próprio Cristianismo o é… mordam-se, ateus!

 

 

 

 

 

Candeias, num nublado e caloroso 04 de abril de 2016.